Pare de usar o e-NPS como medida de engajamento!

Para melhorar o clima organizacional, é essencial promover um ambiente de trabalho positivo, onde os colaboradores se sintam...

Clima e Engajamento

Você já deve ter visto a cena: alguém na reunião apresenta os indicadores de uma pesquisa, aponta para aquele número solitário e fala: “Nosso e-NPS caiu de 34 para 28!”. A sala inteira liga o modo pânico e o medo dos terríveis planos de ação começa a aparecer. Um único número vira termômetro absoluto de algo tão complexo quanto a relação viva entre pessoas e trabalho.

O RH, na ânsia de ter um número fácil de comunicar, acabou importando do marketing um indicador discutível, o NPS, que nasceu para espelhar uma relação transacional entre cliente e fornecedor, e tentou encaixá-lo num vínculo muito mais complexo: pessoa e empregador. Lá fora, o cliente avalia um serviço ou produto; aqui dentro, o colaborador vive um ecossistema de liderança, propósito, justiça, segurança psicológica, desenvolvimento, carga de trabalho, políticas e símbolos culturais. Ou seja, multiplicamos variáveis, contextos e interdependências, mas mantivemos a mesma régua. O resultado? Um atalho que entrega um número bonito, mas cego para o que realmente precisa ser visto e transformado.

Pois é…. o e-NPS é simples, rápido e bonito para apresentar, mas frágil demais para carregar o peso de medir o engajamento.

O engajamento é multidimensional (e não cabe em uma pergunta)

Engajamento não é só recomendar ou não a empresa, é muito mais: é significado, segurança e disponibilidade que permitem às pessoas se conectarem de fato no trabalho. Nós aqui na Carvalho e Mello usamos: significado, desenvolvimento, autonomia e senso de pertencimento. Outros autores trazem ainda os conceitos do vigor, dedicação e absorção. Em outras palavras: engajamento é um sistema de relações entre pessoas, tarefas, time, liderança, estrutura e propósito.

Quando reduzimos isso a “Você recomendaria esta empresa como um bom lugar para trabalhar?”, perdemos:

– Qualidade das relações com o gestor e com o time;
– Clareza de expectativas e justiça organizacional;
– Oportunidades de desenvolvimento e autonomia;
– Reconhecimento, segurança psicológica, carga de trabalho adequada;
– Sentido e utilidade do que se faz.

Recomendar tem correlação com alguns desses elementos, mas não ajuda a entendê-los.

O que o e-NPS não te conta e você deveria saber:

O “porquê” fica escondido
O score líquido (promotores – detratores) é um resultado sem explicação. Sem correlacioná-lo com outros indicadores ou mesmo com perguntas qualitativas, você sabe que tem um problema, mas não qual, nem onde, nem por quê.

A métrica líquida distorce a realidade
Dois grupos com perfis opostos podem zerar o placar: 30% amam, 30% detestam, e 40% são neutros. Resultado: e-NPS = 0. Isso significa equilíbrio? Claro que não. Significa polarização. Mas o número não mostra isso.

Recomendação é diferente de Engajamento
A intenção de recomendar envolve reputação externa, imagem de marca e até receio de expor a empresa a amigos. Uma pessoa pode estar engajada no trabalho e, mesmo assim, não recomendar por não querer misturar relações pessoais com profissionais (como se fosse possível). Ou o contrário: por ser “cool” dizer que trabalha em uma grande empresa e isso fazer com que ele ganhe status, mas essa pessoa pode estar desconectada do dia a dia.

Medo, cultura e anonimato frágil
Em empresas ou áreas onde o anonimato da pesquisa é questionado, notas seguras (o 7 ou o 8) aparecem de monte. A curva fica enviesada e o score perde sentido. Sem confiança, pesquisa nenhuma presta e isso vale em dobro para uma pergunta tão carregada de julgamento e desejabilidade social.

Já ouvi clientes falarem: “Mas o e-NPS é simples e comparável!”

Eu respondo que sim, e isso é parte do problema. A sedução do e-NPS está na estética do número único. Líderes gostam de algo fácil de acompanhar e, de preferência, que vire meta. O risco é transformar o indicador em um fim em si mesmo. Vários estudos (vou colocar os links no final) já questionavam o NPS como medida mágica de lealdade do cliente (isso lá no marketing), e a transposição sem crítica para colaboradores só amplifica o erro.

O que colocar no lugar? Não é jogar fora, é reposicionar

Não se trata de banir o e-NPS, mas de colocá-lo no seu devido lugar: Se for utilizar, que seja em um termômetro rápido, um alerta, nunca o diagnóstico. Para medir e gerir engajamento de verdade, combine:

Instrumentos multidimensionais
Nós, aqui da Carvalho e Mello, tratamos sempre de “pesquisas de clima e engajamento”, agrupando à questão de “propensão a recomendar”, outras variáveis dependentes que são marcadores de engajamento como: “Propensão a não trocar”, “Orgulho”, “Satisfação geral”, entre outras. Isso junto com um questionário de investigue liderança, o planejamento do trabalho, ambiente físico e recursos, remuneração e benefícios, relacionamentos, imagem corporativa e desenvolvimento profissional.

Cruzamentos e busca de causalidade
Correlacionar as diversas dimensões: segurança psicológica costuma andar junto com cooperação? Percepção de justiça afeta diretamente o orgulho? Estilo de liderança impacta a propensão a não trocar de empresa? Regressões, análises de impacto relativo, árvores de decisão fazem você sair da contagem de “% favorável”. Utilizando técnicas de análise estatísticas, identificamos quais desses fatores mais estão impactando a formação ou não do engajamento. Aí funciona!

Perguntas abertas estratégicas
Deixe espaço para o respondente se expressar sobre pontos de melhoria e sobre os temas que o incomodam, com perguntas abertas, mas direcionadas, do tipo: “Se você pudesse melhorar uma coisa aqui na empresa, o que seria?” Codifique as respostas e cruze com as questões de engajamento. A quantidade de insight que você terá será impressionante.

Análises segmentadas
Quebre por área, tempo de casa, modelo de trabalho (remoto/presencial/híbrido), gênero etc. Engajamento é relacional: médias gerais escondem realidades locais.

Ciclo de feedback -> ação -> escuta
Pesquisa sem fechamento de ciclo mata engajamento. Divulgue resultados, crie experimentos com as equipes, monitore mudanças, volte a perguntar.

Escuta contínua, não interrogatório contínuo
Invista em canais estruturados de conversa (1:1, grupos focais, check-ins com guias simples). Frequência inteligente, não obsessiva.

– Mas meu CEO só quer o número…
Então mostre outros números: a perda de talento por falta de engajamento. Ou mostre como áreas com scores “bons” no e-NPS têm gargalos em dimensões críticas quando analisadas de verdade. Números continuam importantes, mas eles precisam contar uma história e orientar decisões, não virar fetiches.

Uma estratégia prática:

Use o e-NPS como “sinal de fumaça”, mas sempre acompanhado de outras perguntas marcadoras de engajamento.

A cada semestre ou ano, rode um diagnóstico completo com múltiplas dimensões e perguntas abertas. Nós chamamos aqui de pesquisa âncora. (Veja esse e-book sobre tipos de pesquisa)

Entre uma coisa e outra, promova conversas guiadas: ensine os gestores a fazer aquilo para o que foram contratados: gerir pessoas.

Feche o ciclo publicamente: “ouvimos isso, fizemos aquilo, vamos medir de novo assim”. Confiança se constrói na prática.

Conclusão: Engajamento é fluxo, não placar

O engajamento não se captura num print, se cultiva numa rotina. O e-NPS pode continuar no seu painel desde que não obstrua a visão do todo. Pare de tratá-lo como se fosse “a” medida. Ele é um ponto, não o panorama. E, cá entre nós, quem trabalha com gente e mudança organizacional deveria saber que reduzir complexidade custa caro, trazendo decisões ruins, ações irrelevantes e confiança perdida.

Fale com a gente e veja como funciona a pesquisa de engajamento e clima da Carvalho e Mello / ClimaSync. Muito mais de números, muito mais que rankings.

Um abraço!

Alvaro Mello
Diretor Técnico
[email protected]
www.carvalhoemello.com.br

Sugestões de leitura

Kahn, W. A. (1990). Psychological Conditions of Personal Engagement and Disengagement at Work.

Schaufeli, W. B., & Bakker, A. B. (2004). Job demands, job resources, and their relationship with burnout and engagement: A multi-sample study.

Saks, A. M. (2006). Antecedents and consequences of employee engagement.

Harter, J. K., Schmidt, F. L., & Hayes, T. L. (2002). Business-unit-level relationship between employee satisfaction, employee engagement, and business outcomes.

Keiningham, T. L., Cooil, B., Andreassen, T. W., & Aksoy, L. (2007). A Longitudinal Examination of Net Promoter and Firm Revenue Growth.

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